Estávamos nos preparando para morarmos juntos. Ela já era bem resolvida, uma psicóloga em início de carreira, mas com uma vida financeira já estável. Eu estava terminando o último semestre do curso de Educação Física. Mas não foi na faculdade que nos conhecemos, e sim em um happy hour marcado por amigos em comum.
Feitas as devidas apresentações, surgiu em mim um grande interesse. E foi mútuo. Em menos de meia hora já estávamos aos beijos. E no outro dia eu liguei... isso mesmo, pela primeira vez eu ligava para a menina que eu tinha ficado na noite anterior. Ela realmente havia me marcado...
O tempo foi passando e cada dia eu me encantava mais. Ela era linda, tinha um olhar ingênuo e um sorriso que saía muito fácil. O corpo dela era perfeito, mas nem precisava de tanto. Só a personalidade dela já era suficiente para deixar qualquer homem no chão... forte, decidida, autêntica!
E eu era um babaca, daqueles que vivem enfiados em uma academia, cultivando meus belos músculos enquanto meu cérebro ia lentamente se atrofiando dentro do ambiente da faculdade. Foi ela que me despertou. Suas discussões sempre me faziam parar e pensar. Foi com ela que a faculdade começou a realmente valer a pena.
Não que não tivesse valido antes, mas agora era de um jeito diferente. Antes eu vivia nos bares, cercado por um monte de amigos bêbados (e eu me incluía nessa última categoria), comemorando por tudo. Ela me fez mudar. Comecei a aproveitar mais as aulas, porém continuava saindo com os caras, só que agora eu estava mais moderado. E eu finalmente tinha alguém para encontrar todos os dias, alguém que eu sabia que sempre estaria lá para me apoiar e me oferecer uma palavra em qualquer momento.
Ela se formou e ainda faltava um ano para que eu concluísse o curso. Nada como um leve afastamento para fazer com que meu amor aumentasse. Seis meses depois, durante uma aula, meu celular começou a tocar. Era um número estranho e eu não atendi. Esqueci de retornar e fui embora, tranqüilo, para casa. Minha namorada estava fazendo a mudança para um novo consultório, devia ser por isso que ela não havia me ligado...
Quando cheguei, meu irmão veio na minha direção desesperado. Ele me viu e começou a falar coisas sem sentido, completamente alterado. Tentei acalmá-lo, mas não consegui. Ele continuava dizendo palavras soltas como hospital, mamãe, sua namorada...
Fiz um copo de água com açúcar para ele e, aos poucos, a calma foi chegando. Ele ainda estava muito sério quando começou a me contar. E enquanto ele falava, meu mundo desabava gradativamente. Minha namorada tinha sofrido um gravíssimo acidente de carro quando estava chegando ao novo consultório. Tinham tentado me ligar mais cedo para avisar, mas não conseguiram. Então minha mãe foi até o hospital para ficar com ela.
Só consegui voltar para o meu corpo quando senti as primeiras lágrimas escorrendo pelo meu rosto. Acidente grave? Hospital? Meu Deus, onde eu estive todo esse tempo que nem fui socorrê-la? Um idiota! Um completo idiota que não serve nem para atender um telefone quando ele toca...
Corri para o hospital e encontrei com minha mãe. Minha garota acabara de sair da sala de cirurgia. Tinha tudo corrido bem, mas apesar de tudo ela permanecia em coma profundo.
Quando me deixaram entrar na sala onde ela estava, quase não a reconheci em meio a tantos hematomas e desfigurações. Mas aquela cara não abandonaria nunca aquele ar de menina, ao mesmo tempo em que era doce e meigo era também extremamente forte e decidida. Ela ia sair dessa, eu tinha certeza...
Mas faz quase dois anos que ela permanece lá, sem alterações. Todos os dias eu vou vê-la. Fico lá, às vezes conversando, mas, na maioria das vezes, parado, só olhando. Todos os meus sonhos ali, deitados e inertes. Mas eu não desisto, eu simplesmente não quero fechar meus olhos, não vou cair no sono enquanto eu olho para ela, mas eu sinto muita falta! E ficar olhando para ela faz com que eu nunca esqueça nenhum detalhe daquela mulher...