O aniversário de Vitinho estava se aproximando. Onze anos. Não era todo dia que alguém completava onze anos. Era com essa idade que as pessoas iam para Hogwarts. Era com essa idade que os meninos começavam a capturar Pokémons. E ele ainda acreditava veementemente que isso poderia acontecer.
Mas só a idéia de uma festa já o deixava empolgado. Pena que ele não ia poder ver nada do que iria acontecer. Ele não era capaz. Um acidente lhe tirara a visão quando ainda era apenas um bebê. Não tinha uma lembrança visual sequer. Quando se esforçava, lembrava apenas de um borrão preto. E nada mais.
Só que isso não iria impedir que ele aproveitasse ao máximo seu aniversário. Já estava tudo preparado em meados de março. Os pedidos já haviam sido feitos e Vítor sinceramente esperava que seus pais atendessem todos. Eram coisas simples, como um peão, uma pokébola, um ursinho de pelúcia novo, um videogame, um computador, um carrinho de controle remoto...
Por volta do dia 25, seu pai chegou e lhe deu uma notícia bastante inesperada:
- Vitinho, você não vai acreditar no que o seu pai encontrou.
- O que você encontrou? – perguntou o menino empolgado.
- Eu encontrei um colírio que vai resolver todos os seus problemas. Com apenas algumas gotas, ele é capaz de fazer qualquer criança cega enxergar. É a mais alta tecnologia disponível no Brasil.
- Me dá pai! Eu quero esse colírio agora!
- Calma – tranqüilizou o pai – vou pingá-lo no dia do seu aniversário, quando a família estiver toda reunida, quando todos os seus amiguinhos estiverem por aqui.
O menino saiu empolgado. Ia poder ver. Ver como era seu rosto, seu corpo. Ver se ele se parecia com seu pai ou com sua mãe. Ver o céu, as árvores, os cachorros, os patos, os leões, o Pikachu, sua professora, seus amigos, sua bengala, seus óculos escuros, as flores, enfim... tudo!
Mal podia esperar pela data simbólica. Não conseguia dormir direito. Dia 26 passou muito devagar. Dia 27 não queria passar nem com muita reza. Dia 28 custou para terminar. O garoto não conseguia mais se concentrar em suas aulas, nem mesmo assistir desenhos o empolgava.
Dia 31 chegou vagarosamente:
- Pai! Pai! Pai! É amanhã! Por favor, pinga o colírio nos meus olhos para que eu possa ver as pessoas na minha festinha.
- Calma filho. Quando o relógio apitar hoje pela última vez, vamos estar todos reunidos para ver esse momento histórico.
Bem próximo da meia noite, Vítor já estava sentado, esperando. Conseguia sentir as pessoas se aproximando e ficando ao seu redor. Eram muitos e, pelas vozes, não havia faltado ninguém. Escutava as vozes dos seus amigos, dos parentes e professores. Quanto mais rápido chegasse a hora, mais rápido ele poderia vê-los.
Piii, Piii, Piii, Piii, Piii, Piii, Piii, Piii, Piii, Piii...
Faltavam só dois apitos do relógio. Seu corpo já saltava em um frenesi desesperado.
Piii, Piii.
E o garoto sentiu algo molhado em seus olhos. O pai pediu que ele não abrisse os olhos por dez segundos. O garoto já não agüentava mais. Abriu os olhos, viu uma escuridão e ouviu um coro que dizia:
-Primeiro de abril!
Golpe... De Mestre?
Há um ano